quinta-feira, 29 de março de 2018


Janelas de Londres

Domenico havia entrado no saguão do discreto Hotel Thompson, em Londres, e sentado na poltrona em frente ao elevador há mais de trinta minutos e isso estava deixando os funcionários do hotel intrigados. Foi quando o mensageiro, a mando do gerente Sr. Hilbert, se aproximou e perguntou com a voz tremula e fraca:
- O senhor precisa de algo ou uma ajuda?
Domenico, sem desviar o olhar da porta do elevador respondeu secamente.
- Não, obrigado.
- O senhor procura por alguém? Insistiu o mensageiro.
- Um amigo. Disse secamente.
O mensageiro retirou-se e foi falar com o Sr. Hilbert para relatar o breve diálogo. O Sr. Hilbert era um homem franzino e calvo e completara dezoito anos de trabalho no hotel no mês anterior. Em outras circunstâncias já teria chamado a polícia, mas preferiu aguardar mais um pouco, pois o alarde poderia assustar os hóspedes.
Enquanto Domenico seguia imóvel olhando fixamente para o elevador e observando as pessoas que entravam e saíam, a chuva seguia forte do lado de fora do hotel e, neste momento, o chapéu e o sobretudo de Domenico já estavam quase secos. Apenas seus sapatos ainda estavam molhados e com pequenas poças de água ao seu redor. Nenhum funcionário se atreveu a tentar secar o piso molhado diante da figura sinistra daquele homem.
A cada descida do elevador Domenico limitava-se a alisar a barba por fazer e retornava a mão direita ao bolso do sobretudo. O elevador subira novamente e agora estava parado no 14º andar com sinal indicando que iria descer.
O que não parava era o pensamento de Domenico que seguia relembrando como conheceu Wanda aos dezessete anos e os momentos tórridos e apaixonantes que viveram na juventude. Wanda tinha os cabelos ruivos, um lindo sorriso emoldurado pelos lábios finos e um brilho nos olhos castanhos próprios da exuberância de quem aproveita a juventude. Domenico era um jovem magro de cabelo escorrido e alto o bastante para ser sempre convidado a jogar basquete, mas ele preferia a natação e por isso tinha ombros largos e fortes.
O amor entre eles foi arrebatador e intimamente vivido por cinco anos até que Wanda ganhou a bolsa de estudos para estudar na Inglaterra. Domenico a amava tanto que não permitiu que ela desistisse do sonho de estudar no exterior em nome do amor entre eles. A incentivou a viajar, pois tinha a certeza que em um ano ela voltaria para seus braços ou ele a seguiria. Então levou-a até o aeroporto na data marcada. Entre muitas lágrimas, Wanda embarcou.
O elevador agora descia para o 11º andar. Domenico e Wanda trocavam juras de amor diariamente nas primeiras semanas. O tempo passava se arrastando e Domenico mal conseguia trabalhar como caixa no banco.
Com o passar dos meses as ligações deixaram de ser diárias, mas as juras de amor e a saudade de ambos seguiam vivas. Domenico lembrava bem da última ligação em uma noite quente de verão, quando Wanda estava eufórica e feliz por ter tirado nota máxima em uma difícil matéria do curso de Jornalismo e avisou que iria comemorar com umas amigas. Foi a última ligação de Wanda, o elevador agora estava no 8º andar.
No dia seguinte a notícia, no jornal sensacionalista da TV, veio como um baque:
- Brasileira morre ao jogar-se da janela de prédio na Lewis Street, em Londres. Disse o apresentador com voz esganiçada.
Domenico não entendia como, mas tinha certeza de que se tratava de Wanda. O corpo voltou ao Brasil e Domenico ficou inconsolável no enterro e por muitos meses. Perdeu o emprego e ficou perplexo com o que ocorrera. Não creditava na história do acidente que ouvira na TV. O elevador parara no 5º andar.
Inconformado, viajou para Londres e matriculou-se em Jornalismo na mesma Faculdade que Wanda estudara. Aos poucos foi conhecendo os professores e alunos. No semestre seguinte foi cursar a mesma matéria na qual Wanda havia tirado a nota máxima. Por tratar-se de um brasileiro, não tardou a comentarem sobre o acidente que havia ocorrido um ano antes com sua amada. Era doloroso ouvir sobre o assunto e o que o confortava era que todos a admiravam e também não entendiam porque ele teria se jogado pela janela. Nem ele, mas isso mantinha em segredo, apesar da dor.
Assim que receberam o resultado da primeira prova, muitos combinaram de comemorar e o Professor Sr. Moltz convidou a todos para umas bebidas. O Professor Moltz era um homem calvo com uma barriga bem saliente. Os cabelos desgenhados e o nariz avantajado não o deixavam nem um pouco atraente.
Após algumas rodadas duas meninas saíram do bar com o Professor Moltz e foram embora. Domenico comentou com outros rapazes e um deles, que era repetente, disse que o Professor sempre levava meninas com ele alegando dar umas dicas a mais sobre a matéria ,mas eles achavam que ele oferecia mesmo era mais bebidas, drogas e uma nota alta para obter sexo com as jovens estudantes. O elevador agora havia parado no 2º andar.
Domenico então saiu do bar e seguiu o Professor Moltz. O que não o surpreendeu foi que ele se dirigiu para a Lewis Street e os viu entrando num velho prédio. Ele foi até lá e subiu, discretamente, até o 5º andar. No corredor ouvia os gritos eufóricos das meninas:
- Tem da boa, Professor? Gritou uma.
- Você já me conhece, Andrew. Aqui está, meninas. Disse ele. E os risos e gritos ficaram mais altos.
Domenico ficou atônito, mas achou melhor ir embora. As peças se encaixavam.
O elevador chegou ao térreo e o barulho da porta abrindo trouxe Domenico de volta de suas lembranças. Duas senhoras de meia idade desceram conversando alto sobre a chuva e as compras que fariam no shopping. Atrás delas, no fundo do elevador um homem de cabelo desarrumado e nariz grande começou a sair. Domenico levantou-se, tirou o chapéu e o Professor Moltz reconheceu seu aluno, abrindo um sorriso e perguntando se ele bebera muito no dia anterior.
Domenico não respondeu e sem tirar a mão do bolso do sobretudo descarregou a arma que mantinha carregada. O corpo do Professor caiu dentro do elevador enquanto os gritos das senhoras se espalhavam pelo saguão do discreto Hotel Thompson, para desespero do Gerente Sr. Hilbert.
Domenico foi caminhando em direção a porta saindo calmamente na chuva torrencial que caía, mas com a certeza de que nenhuma outra história de amor entre jovens seria desfeita pelas janelas de Londres.




Um comentário:

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